Série especial do JN mostra como o agronegócio brasileiro está enfrentando as mudanças climáticas
Produtores de arroz e feijão contam com tecnologias para enfrentar as mudanças climáticas Falta pouco mais de um mês para a COP30, em Belém. E o Jornal Nac...

Produtores de arroz e feijão contam com tecnologias para enfrentar as mudanças climáticas Falta pouco mais de um mês para a COP30, em Belém. E o Jornal Nacional apresenta, nesta semana, uma série especial de reportagens sobre comida e clima. Você vai ver como o agronegócio brasileiro está enfrentando as mudanças climáticas e qual o impacto delas no mapa nacional da produção de comida. A primeira reportagem é sobre uma dupla fundamental na dieta no nosso prato: o arroz e o feijão. “De uns anos para cá, a natureza está mais - usar uma palavra meio... - louca, fora de órbita. A natureza não está mais regular como era uma vez. Tu escolhia: será que eu vou plantar agora, tipo, 10 de novembro? Será que eu vou plantar ou vou esperar uma chuva? Agora, de dois, três anos para cá, tu nem consegue plantar, porque ele não dá chance – o tempo, para natureza, no caso”, diz o produtor de arroz Edislei Cechin. É dezembro de 2024, região central do Rio Grande do Sul. Sete meses depois das enchentes que devastaram o estado, os agricultores ainda tentam encontrar um caminho na terra molhada demais para terminar o plantio do arroz. Edislei Cechin: E a gente faz umas valetas para água sair totalmente, para drenar bem a água, para o solo secar mais rápido. Tiago Eltz, repórter: É para ficar alagado depois, né? Edislei Cechin: Depois sim. Só que para plantar tem que ser no seco. Se não, você coloca o trator aqui e afunda. Tu vê que tu pisa e aí não tem como plantar. Série especial do JN mostra como o agronegócio brasileiro está enfrentando as mudanças climáticas Jornal Nacional/ Reprodução Pelas propriedades, o trabalho é corrido e preocupado. Já passou quase um mês da janela ideal para o plantio. “Quando tu vai passando de 15 de novembro, não é que não possa semear, é que diminui a tua possibilidade de ter mais quilos de arroz por hectare”, diz o engenheiro agrônomo do IRGA Ênio Coelho. É uma matemática ansiosa. Cada dia de atraso diminui a renda do ano seguinte inteiro. Luiz Fernando Cauduro, produtor de arroz: Nós aqui temos 30% da área recém-semeada. Trinta ainda eu vou semear até o dia 20 e 30, um terço, assim não vai ter o que fazer. Repórter: Mas você está certo de que vai semear mais 30 ainda? Luiz Fernando: Boa essa tua pergunta. É certo, certo... Não existe uma coisa, uma precisão na agricultura, mas é uma estimativa. Um agricultor, o dinheiro dele é o grão. Se não fizer grão, ele não tem dinheiro. E o grão vem da terra, vem do tempo, vem do clima. O desafio do Rio Grande do Sul é um desafio do nosso prato. Arroz é o alimento mais importante da nossa dieta. Responde por quase 20% das calorias ingeridas diariamente pelos brasileiros. E o Rio Grande do Sul produz 70% do arroz consumido no país. “Nós estamos produzindo mais ou menos a quantidade que nós consumimos aqui no Brasil. Caso haja perda significativa de produtividade, a gente vai ter dificuldade de abastecimento do mercado interno. Então, a pesquisa tem que se movimentar no sentido de encontrar soluções alternativas para que a nossa segurança alimentar seja preservada frente a essas mudanças climáticas”, afirma o pesquisador da Embrapa Adriano Pereira de Castro. Série especial do JN mostra como o agronegócio brasileiro está enfrentando as mudanças climáticas Jornal Nacional/ Reprodução Você deve ter percebido que a pesquisa nos fez mudar de cenário. O vento seco que balança os pés novinhos de arroz é típico de setembro em Goiás. Lá não existe isso de “chuva demais”. O clima é totalmente diferente. O plantio também. A água, que nessa época não vem do céu, é distribuída às plantas com estruturas gigantes, como braços mecânicos - que podem ter centenas de metros, até um quilômetro - e giram pela lavoura em torno de um pivô. Uma forma já tradicional para outras culturas, mas relativamente nova para o arroz. Repórter: Você começou a plantar arroz aqui quando? Gabriel Gomes de Moraes, produtor de arroz: 2023. Repórter: Ah, faz pouco tempo. Gabriel Gomes: Faz pouco tempo. Repórter: E por quê? Gabriel Gomes: Começamos a procurar soluções para intercalar o nosso manejo. Repórter: Se não fosse o arroz, isso aqui estaria tudo vazio? Gabriel Gomes: Estaria vazio, esperando soja. Até 2020 era difícil plantar arroz lá porque o solo é fértil demais. O arroz dava muitos grãos, o pé não aguentava o peso e deitava. O arroz estragava ainda na lavoura. Até que a ciência apareceu com um código novo. “Em 2020, a Embrapa lançou uma cultivar nova, a BRS A502 – inclusive é essa que nós estamos aqui. Ela permanece verde até o final. Então, isso aumenta a capacidade de sustentação da produção do arroz”, diz o pesquisador da Embrapa Adriano Pereira de Castro. A produção lá, quando irrigada, usa um sexto da água usada nos campos inundados. Mas, no Cerrado brasileiro, a água é um bem precioso, e cada vez mais em falta. “O arroz está pequenininho aqui. Nessa fase, ele precisa de pouca água diariamente, mas quando ele tiver na fase de produção, floração, o que se espera é que as chuvas já estejam restabelecidas aqui em Goiás e que a irrigação seja fornecida pelas chuvas”, diz Adriano Pereira de Castro. A nova variedade abriu fronteiras, possibilitou plantar também no Pará, Maranhão, Mato Grosso, Rondônia. Mesmo sem irrigação. No Rio Grande do Sul, apesar da dificuldade no centro do estado, a produtividade foi recorde, e os gaúchos garantiram o arroz no prato dos brasileiros. Mas o preço caiu, e derrubou a intenção dos agricultores de plantar novamente. Mesmo sem saber como vai ser o clima, a próxima safra deve ser menor. “Para questões de segurança alimentar, essa distribuição da produção pelo Brasil é fundamental”, afirma Adriano Pereira de Castro. Série especial do JN mostra como o agronegócio brasileiro está enfrentando as mudanças climáticas Jornal Nacional/ Reprodução Mudar regiões de plantio, adaptar plantas, é o desafio de uma nova realidade climática. “Não precisa ser cientista para ver que as coisas estão modificando. Aqui em Goiás, há 30 anos, quando chegava em abril e maio, eu usava touca e luva. Agora, ninguém usa mais aqui”, conta o pesquisador da Embrapa Silvando Carlos da Silva. Silvando é um dos primeiros cientistas do ZARC. O Zoneamento Agrícola de Risco Climático foi criado em 1996 para dizer para os agricultores quando e onde plantar com menos risco. E ele está mudando. “Eu estou classificando isso como uma mudança da geografia dos cultivos. Os cultivares que nós temos hoje, se eles não se adaptam mais ao clima do Centro-Oeste, que aqueceu muito, vão para o Sul. Se aumenta três graus lá para o Sul, vai ser bom porque tem materiais que agora não vão ter problema de frio, pode colocar lá. Mas pode ter problema de doença? Pode, porque vai aquecer, entendeu? Se há um inseto X lá, é porque tem um conforto térmico para aquele inseto", diz Silvando. E tem um inseto que ficou confortável demais no clima brasileiro hoje. Ele ataca exatamente o complemento predileto dos brasileiros para o arroz. É do feijão que vem a proteína, o ferro e as fibras que, junto com os carboidratos do arroz, formam o principal pilar da dieta brasileira. Repórter: A folha tomada de mosca branca. Isso aqui é o que a gente encontra na lavoura, nesse nível aqui? Pedro Henrique Lopes Sarmento, pesquisador da Embrapa: Sim, se a gente não fizer o controle, isso é o que vai acontecer. Quando você tem um veranico expressivo e a temperatura muito alta por longos períodos, a mosca se reproduz muito rapidamente. O impacto em São Paulo, em 2024, mudou os planos do produtor rural Antônio Prata para essa safra. “Esse ano, eu estou com tomate para indústria, estou com trigo, estou com milho grão, milho doce. Hoje, eu não tenho nem um metro quadrado plantado em feijão. A produtividade foi 40% do que eu esperava colher, o que torna a cultura inviável economicamente”, conta. No Centro-Oeste, em setembro, o horizonte parecia mais bonito. Mas se olharmos mais de perto... Mateus Carvalho Ribeiro, produtor de feijão: Está vendo que forma essas pontuações amarelas? Aqui o vírus está infestando a planta. Repórter: Quando vê essa folhinha na lavoura, isso aqui é prejuízo? Mateus Carvalho Ribeiro: Prejuízo certo. Esse ano, ela entrou com infestações altíssimas. Acabou que a gente teve que investir bastante, gastar bastante para controlar. Série especial do JN mostra como o agronegócio brasileiro está enfrentando as mudanças climáticas Jornal Nacional/ Reprodução O custo maior impediu a perda total. E uma arma de defesa saiu de um laboratório. Essa é a danada: a mosca branca. O terror. Olhando assim ela é bonita, mas perigosa. O produtor não acha nada de bonito nela. Observando a mosca, os pesquisadores encontraram uma fraqueza. “A gente pega uma doença que já ocorre naturalmente no campo. Esse fungo é uma doença da mosca branca. A gente pegou, isolou e começou os trabalhos”, diz a pesquisadora da Embrapa Heloiza Alves Boaventura. Doze anos depois, com a parceria de uma empresa privada, o fungo virou um defensivo biológico. “Está vendo o quanto esse fungo cresce? Então, depois, qualquer adulto que passa aqui se contamina e também morre”, explica Heloiza. A efetividade não é total, e ele ainda precisa ser combinado a outros produtos. Mas devolveu uma vantagem na disputa que o agricultor trava desde sempre. “O clima muda. Mas a gente se adapta. A praga adaptou ao clima? Adaptou. A gente tem que se adaptar, a gente tem que buscar produtos novos, buscar técnicas novas para se manter. É a vida do produtor”, afirma o produtor de feijão Mateus Ribeiro. A reportagem de terça-feira (7) é sobre a produção de carne. Ela vai mostrar uma variedade de técnicas novas usadas pelos nossos produtores, capazes de diminuir o impacto ambiental da pecuária. LEIA TAMBÉM Consumo de arroz e feijão no Brasil diminui e atinge menores índices desde os anos 1960